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terça-feira, 17 de novembro de 2009

Da Holanda para o Landedo, ali bem perto na Moimenta

Pintor, bem afirmado na cena artística internacional, escolheu Landedo para viver, depois de anos de viagens e aventuras por esse mundo fora

Nasceu na Holanda, viveu em Berlim e actualmente está radicado em Landedo, uma pequena aldeia do concelho de Vinhais onde apenas se chega por uma estreita e sinuosa estrada que atravessa o Parque Natural de Montesinho.

Ali vivem apenas onze pessoas. Entre eles o pintor Gerthein de Visser. Há dois anos atrás, depois de uma estadia de oito meses na Índia e de uma curta passagem pela Indonésia, o pintor quis conhecer Portugal. Bragança foi a primeira cidade onde esteve. Decidido a conhecer melhor esta terra, comprou uma bicicleta e fez-se ao caminho.
Landedo foi a localidade onde se fixou. Comprou um terreno com sete hectares e uma casa senhorial em ruínas que tem reconstruído com as suas mãos. Enquanto a casa não fica pronta, Gerthein dorme numa tenda, também construída por si, que lhe garante o mínimo de conforto: o chão é em pedra, a estrutura é de madeira e a cobertura é impermeável.

Gerthein de Visser define-se assim: minimalista, tal como a sua pintura.

Mas o que leva alguém como Gerthein a ixar-se numa localidade onde não há praticamente nada? A distância entre o “mundo” em que viveu e este é bem maior que a distância física que separam Amersfoort, na Holanda, e Landedo, mais de 1600 quilómetros. “É um desafio”, assume. Depois de longos anos de trabalho em Berlim, onde deu início à série de pintura “Produtos Masculinos”, retratando as formas humanas numa crítica ao comportamento consumista, Gerthein mudou-se para a Índia.

Viveria nesta país durante quase um ano. Depois passou ainda pela Indonésia.
No ano 2000, Gerthein esteve no convento de S. Francisco, em Mértola, para a realização de um projecto paisagístico Zen de um jardim destinado à meditação. Daí fixou-se na cidade alemã de Dresden e, em 2007, radicou-se no Nordeste Transmontano sendo já um pintor diferente, marcado pelas diferentes experiências, como o próprio assumiu. “O meu primeiro trabalho consistiu em muitas imagens, muitas histórias agressivas, muitas coisas que eu queria dizer. Agora é minimalista, não quero dizer nada. É como viver aqui, sentir-me bem e não precisar de muito. Esta minha filosofia de vida é um pouco idêntica ao meu trabalho: minimalista”. Na base da decisão de se fixar em Landedo pesaram dois factores: o preço do terreno e o clima do país. “Há países melhores, há paisagens mais belas, mas uma das coisas que gosto aqui é do clima porque têm todas as estações. Depois, eu não sou rico e este terreno foi barato e possível de comprar. É difícil comprar casas ou terrenos fora da Europa”, contou. Com sete hectares à disposição, Gerthein pode arranjar dois burros mirandeses, criar galinhas e ter ainda espaço para dois gatos e um cão pastor. No terreno plantou árvores de fruta e alguns legumes, mas poucos que, segundo diz, “a terra não é muito boa”. O seu estilo de vida actual é “radicalmente diferente” mas, segundo o pintor, “está a ser uma experiência muito boa” apesar das “durezas” da vida transmontana. É que, conforme diz, “a vida aqui não é nada fácil”.

Landedo fica a quinze quilómetros de Vinhais e 50 quilómetros de Bragança, 50 quilómetros que levam quase uma hora a fazer, de carro. Ali “não vai ninguém”, só mesmo o carteiro. As primeiras dificuldades começaram com a colocação de água e luz. Já as obras na casa, Gerthein teve de tomar a iniciativa e deixar de esperar pelos “artistas”.
A língua portuguesa foi outro dos obstáculos que o pintor tem ultrapassado com relativa facilidade, embora esteja completamente convencido do contrário. “Essa é uma frustração minha porque sempre tive talento para línguas mas o português é muito difícil”.
Mas são essas “pequenas” dificuldades que fazem da vida um desafio. São essas dificuldades que o levam a dar valor às pequenas coisas.

Gerthein recorda sorrindo o dia em que tiveram luz em casa ou a primeira noite debaixo de um telhado: “passamos a valorizar mais as pequenas coisas a que estamos habituados”. Ao fim de dois anos, intercalados com passagens pela Alemanha, Gerthein assume que dificilmente voltará para uma grande cidade. Pese embora em Landedo lhe falte gente com quem falar sobre algo mais que o tempo. Ou a “movida” cultural própria de Berlim. “Estive em Berlim há pouco tempo. Foi muito bom mas não quero mais viver lá. É tudo muito cinzento, todo o mundo vive stressado”, explicou. É que para Gerthein não há nada melhor que a sensação de liberdade: “quando saio da tenda, posso ver toda esta paisagem e dizer isto é meu. Posso ter um burro, o que na cidade seria impossível!”. Da modernidade só não prescindiu mesmo foi da ligação à Internet, uma das suas primeiras preocupações quando se fixou em Landedo. “Sem Internet a vida aqui era impossível!”, brincou.

Um espaço para as crianças

Mais do que uma vida tranquila, Gerthein cultiva também as preocupações sociais. Quando comprou o terreno, com um amigo, pensou em criar no local uma espécie de “campo de férias” para crianças abandonadas.

O projecto ainda está no início mas, ao longo destes dois anos, já foram várias as crianças alemãs que passaram uns dias em Landedo. Ali acampam, pintam, tratam dos animais, desenvolvem jogos lúdicos, tratam das árvores de fruto e, acima de tudo, brincam. “A sensação de liberdade é muito boa e as crianças gostam muito”, contou. Proximamente, o objectivo da dupla é levar ao “campo de férias” crianças de Espanha e da Holanda.
As crianças portuguesas não estão colocadas de parte mas, segundo o pintor, será difícil que elas possam vir porque “há muita burocracia”. “Os quartos ainda não estão prontos e não temos balneários nem as condições exigidas. As crianças alemãs têm vindo acampar, mas em Portugal há muita burocracia”, explicou.

Pintura em “stand-bye”

Desde que se fixou em Landedo, Gerthein de Visser não voltou a pintar.

Não por falta de inspiração ou vontade, antes pela falta de um espaço adequado para desenvolver o seu trabalho. “O atelier ainda não está pronto. Quando estiver posso voltar a pintar novamente”, contou. Ao mesmo tempo, Gerthein confessa que o dia-a-dia é de muito trabalho. “Não sinto falta da pintura porque tenho muito trabalho apesar de ter muitas ideias para pintar”. De qualquer forma, ultimamente, Gerthein compara a pintura à jardinagem: é algo que lhe dá prazer. Quando pinta já quer contar histórias, quer apenas fazer arte. “Tenho trabalhos em que peguei num ponto e repeti-o milhões de vezes.
Um ponto não é nada. Não quero dizer muito com o meu trabalho. É apenas arte com a qual espero transmitir boas sensações”, explicou. Ainda assim, o pintor não se quis afastar completamente da vida artística e, recentemente, deu-se ao conhecimento em Bragança. Actualmente, vários dos seus trabalhos estão em exposição no Centro Cultural.

Foto:Carla A.Gonçalves
Texto:Mensagueiro de Noticias

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